Ida Rolf entrevista

Nesta entrevista concedida à revista norte-americana Somatics em 1978, a dra. Ida Rolf (1896-1979) fala sobre as origens e o desenvolvimento da Integração Estrutural, a arte e a ciência de organizar a estrutura corporal humana

“Certa tarde veio em casa uma conhecida minha. Falou-me da sobrinha, Ethel, professora de música. Por causa de uma queda grave, perdera o uso da mão e do braço direito e tinha problemas também com a mão esquerda. Não podia sequer pentear-se!… Disse para fazê-la vir até mim, de modo que eu pudesse dar uma olhada. Quando veio, vi o que eu esperava encontrar: a estrutura do braço e da mão direita estava completamente fora de lugar e desorganizada. Depois de alguns encontros, o braço e a mão reconquistaram a funcionalidade perdida. Assim, Ethel pôde finalmente voltar a ensinar música, pentear-se e lavar os pratos. Desde então, meu trabalho é colocar ordem onde existe desordem!”

Somatics: Anos atrás, a opinião corrente era a de que a senhora fosse européia. Onde a senhora nasceu, na realidade?

Ida Rolf: Na cidade de Nova York. Sou nova-iorquina, da cabeça aos pés, como todos os meus concidadãos. Diplomei-me no Barnard College de Nova York e doutorei-me depois na Columbia University, sempre na cidade de Nova York. Foi também onde me casei.

Somatics: Em que matéria obteve seu doutorado?

Ida Rolf: Química, mais precisamente bioquímica, que somente por certo aspecto tem relação com a fisiologia!

Somatics: Começou a trabalhar logo depois?

Ida Rolf: Não, dediquei-me somente à aquelas atividades que uma dona de casa como eu, naquele tempo, conseguia encontrar com um pouco de sorte. Na Europa, explodia a primeira guerra mundial. Muitos dos nossos homens já estavam no front, outros estavam em treinamento militar, porque deviam partir, deixando o próprio trabalho. Assim, a indústria começou a nos contratar. Não sei quantas, naquele período, tiveram a oportunidade de ingressar no mundo do trabalho, mas devo ressaltar o fato de que a guerra representou, para nós, mulheres, uma grande benção. Foi-nos concedida a oportunidade de trabalhar, de expressar-se e de demonstrar que podíamos estar à altura de qualquer situação que se apresentasse.

Somatics: Qual foi seu primeiro trabalho?

Ida Rolf: Fui admitida no Instituto Rockfeller (Instituto Rockefeller de Pesquisas Médicas, fundado em Nova York em 1901. Hoje, Universidade Rockefeller, dedicada à pesquisa e ao ensino superior em ciências biomédicas) , que se ressentia da falta de pessoal do sexo masculino, requisitado pelo serviço militar, para a guerra.

Somatics: Naquele tempo, a senhora se ocupava de química orgânica e inorgânica?

Ida Rolf: Química orgânica, ou melhor, quimioterapia. Durante meu trabalho em um laboratório do Instituto Rockefeller,tentava-se resolver o problema do Solvivan (marca comercial, sem referências) , de sua própria produção, e do “neosolvisan”. O produto americano revelava-se extremamente tóxico, enquanto que o alemão, que era bom, não era mais encontrado no comércio. Assim, os americanos tentaram colocar no mercado um Solvivan de sua própria produção que, por diversas razões, continuava  a manter um alto grau tóxico. Durante a guerra, parte do trabalho de pesquisa do Instituto Rockefeller foi, então, conseguir elaborar um produto melhor.

Somatics: No seu livro entitulado Rolfing® (¹) , a senhora começa por questionar o conceito e a lei da entropia. Na qualidade de doutora em química, a senhora estava certamente em condições de indicar o modo pelo qual a lei relativa à entropia pode adaptar-se ao conceito de Rolfing®.

Ida Rolf: Certo, não há nenhuma dúvida! É um processo que não necessita de leis físicas para ser explicado. Não vejo como uma pessoa racional não possa esperar que um corpo estruturalmente equilibrado possua harmonia, ou que possa executar movimentos físicos em perfeita sincronia.

Somatics: Podemos dizer que a força de gravidade é considerada, no homem, um elemento positivo, enquanto influi positivamente sobre um corpo estruturalmente equilibrado?

Ida Rolf: Estou firmemente convicta. Tivemos provas continuamente, durante o nosso trabalho. Depois das sessões, muitas pessoas retornam repetindo todas a mesma frase: “Não sei o que aconteceu, não consigo compreender. Sinto-me melhor, durmo e me movimento melhor. Sinto-me mais relaxado e tolerante.” Apenas agimos de modo a que esta pessoa pudesse viver em um ambiente amigável, ao invés de hostil.

Somatics: Depois das dez sessões protocolares e uma vez obtido o equilíbrio estrutural, a força de gravidade cria um pressuposto necessário, de tal modo que o corpo continua em seu trabalho de alinhamento?

Ida Rolf: Certamente, não temos dúvida. O corpo mesmo prosseguirá sozinho, até onde as leis físicas o permitirem.

Somatics: A senhora assegura que considerar a Integração Estrutural um sistema estático é errado, somente pelo fato de que produz mudanças contínuas no corpo físico, até chegar ao equilíbrio. As mudanças são definitivas ou progressivas?

Ida Rolf: Não resta dúvida de que a Integração Estrutural não seja mais do que o início de um processo progressivo de mudança física. Isto se pode notar nas pessoas que se submeteram ao tratamento ou, como dizem os amigos, que foram “rolfadas”. Existem, certamente, outros sistemas de integração estrutural, mas o Método Rolf é aquele com o qual há mais oportunidades de entrar em contato – e que eu tive a sorte, digamos assim, de fazer dele uma profissão.

Somatics: Quando começou a afastar-se do âmbito estrito da química?

Ida Rolf: Fui levada pelas circunstâncias externas. Meu pai, antes de morrer, permaneceu longo tempo doente. Trabalhava com construção civil e alguém tinha de se ocupar dos afazeres da família. Assim deixei a química para colocar em ordem minhas questões pessoais.

Somatics: Como se aproximou da idéia de Integração Estrutural?

Ida Rolf: Não sei, mas me recordo de haver refletido detidamente sobre o que sucederia ao comportamento humano, se fosse modificada a química, enquanto viajava de trem pela Europa. A primeira coisa que poderia modificar a química deveria ser propriamente modificar a física. Disso me lembro, e não sei de onde surgiu esta idéia, foi somente um puro acaso.

Somatics: Estudou então na Europa?

Ida Rolf: Sim, estudei na Europa, mas não as minhas primeiras noções básicas. Essas eu as recebi na América. Por volta do final dos anos 30, frequentava semanalmente um grupo de yoga em Nyack (vilarejo em Rockland Country) , Nova York. O instrutor se chamava Pierre Bernard (nascido Perry Backer, em Leon, Iowa, 1875 – 1955) e defendia um pensamento filosófico aceito completamente hoje, mas quase desconhecido na época. Americano, de origem irlandesa, Bernard era um instrutor de yoga tântrico. Creio que toda a família praticasse o tantra. De todo modo, foi levado à prática e, quando chegou à idade adulta, dedicou-se completamente ao ensino do yoga tântrico.

Somatics: Existe alguma proximidade entre a filosofia tântrica e alguns conceitos relativos à Integração Estrutural?

Ida Rolf: Certamente. A maior parte das ideias modernas têm relação com uma pura e genuína filosofia tântrica, reproduzida na sociedade americana atual.Também o conceito de que mente e corpo constituem uma única entidade é tântrico e não deriva certamente da medicina ocidental.

Somatics: Que tradições a influenciaram inicialmente?

Ida Rolf: No passado dediquei-me à musica, mas este é um capítulo encerrado. Minha mãe esperava que eu me tornasse uma concertista, mas esta não era a minha aspiração maior. Criei dois filhos e afinal dediquei-me sempre à família.

Somatics: Acredita que teria sido mais vantajoso se fosse formada em medicina?

Ida Rolf: Certamente poderia, mas não o fiz. Tornei-me, ao invés disso, bioquímica, por que me foi proposto trabalhar no Istituto Rockefeller. Francamente, devo admitir que a escolha foi ditada pela facilidade maior de obtenção do diploma. É bom recordar que vivíamos uma guerra mundial e que os tempos eram muito difíceis. Estes foram os motivos da escolha.

Somatics: Quem foi seu primeiro paciente?

Ida Rolf: Uma professora de música. Certa tarde veio em casa uma conhecida minha. Falou-me da sobrinha, Ethel, professora de música, e sobre o método que ela utilizava e sobre diversas modalidades de ensino. Havia sempre desejado que meus dois filhos recebessem uma educação musical; assim perguntei à minha conhecida se era possível obter da sobrinha as lições de música. “Infelizmente, não”. respondeu-me, “Ethel não dá mais lições de piano. Por causa de uma queda (queda em um buraco de uma calçada de Nova York. A professora moveu uma ação judicial contra a cidade e perdeu. Quando encontrou a dra. Ida Rolf, já havia gasto cerca de 20 mil dólares em médicos e medicamentos. Episódio narrado em Ida Rolf fala sobre Rolfing e realidade física, Summus Editorial) grave. Perdeu o uso da mão e do braço diretos e ficou problemas também na esquerda. Não podia sequer pentear-se, lavar pratos; não conseguia fazer mais nada!” Disse de fazê-la vir até mim, de modo que pudesse dar uma olhada. Quando veio, vi o que eu esperava encontrar: a estrutura do braço e da mão direita estava completamente fora de lugar e desorganizada. Depois de alguns encontros, o braço e a mão reconquistaram a funcionalidade perdida. Assim Ethel pôde finalmente voltar a ensinar música, pentear-se e lavar os pratos. Desde então, o meu trabalho é colocar ordem onde existe desordem!

Somatics: Que coisa a fez pensar que poderia ajudar Ethel? Porque, daquele momento em diante, a senhora não podia considerar-se uma bioquímica, mas uma pessoa que raciocinava em termos de anatomia e estrutura. Tinha talvez estudado anatomia e desenvolvido o conceito de mudança estrutural?

Ida Rolf: Vou revelar-lhe um segredo! Na minha vida jamais havia estudado anatomia! Somente curando Ethel me dei conta de que, quando um segmento do corpo está fora de lugar, também todos os outros estão. Assim pensei que, se pudesse obter o respectivo alinhamento, obteria também a funcionalidade completa.

Somatics: A funcionalidade do braço e da mão direita da professora de música foi obtida no espaço de apenas uma sessão?

Ida Rolf: Não, certamente! O tratamento durou cerca de três meses e foi interrompido pouco depois com o alistamento dela em um corpo militar feminino; de tal forma que também as lições de música dos meus filhos terminaram.

Somatics: Existe uma incrível diferença entre o trabalho sobre uma parte específica do corpo humano (coisa comum também para um clínico) e o procedimento por fases, segundo observamos no Rolfing®. Refiro-me às dez sessões protocolares, adotadas hoje em todo o mundo. Qual é a linha de pensamento que une o trabalho específico sobre uma parte singular do corpo ao conceito de fases progressivas, nas quais o interesse está no corpo enquanto totalidade?

Ida Rolf: Foi o próprio corpo que me fez compreender isso. É tudo o que posso dizer. O corpo fala por si mesmo. Muitos dos meus alunos entendem o que eu quero dizer quando afirmo uma coisa assim. Se, por exemplo, “rolfamos” um grupo de dez pessoas durante uma hora, poderemos notar que, depois de um primeiro tratamento, cada uma delas apresentará os mesmos e precisos sintomas: pernas que falham ou então apresentam uma deambulação (Em fisioterapia, movimento incorreto próprio do andar). Respondendo às solicitações do rolfista, desde a primeira sessão o trabalho de manipulação desencadeia toda uma série de mudanças no corpo, imperceptíveis a olho nu, mas progressivas. E assim o corpo continuará seu percurso de alinhamento, mesmo depois de concluídas as dez sessões, até chegar à sua estrutura natural. Isto é tudo!

Somatics: As mudanças continuarão até que toda a estrutura corporal chegue ao equilíbrio?

Ida Rolf: Exatamente! Depois disso, o paciente se sentirá tomado de uma renovada sensação de bem-estar geral.

Somatica: Uma pessoa pode ser rolfada novamente depois das dez sessões? Recomenda aos seus pacientes repetir as dez sessões ou aconselharia algo diferente?

Ida Rolf: Não se deve repetir as dez sessões, pois ao final do processo revela-se de repente algo extraordinário: um corpo novo com problemas novos, que um rolfista esperto estará em condições de identificar e resolver.

Somatics: O processo de Integração Estrutural chega talvez a um fim?

Ida Rolf: Não creio que se possa falar de um fim para a Integração Estrutural. Concluir a série de sessões, isto sim, mas somente quando o indivíduo tiver chegado a uma completa harmonia consigo mesmo e seu ambiente se poderá considerar a palavra fim!

Somatics: Existem pacientes que não deveriam ser rolfados? Suponho que existam casos para os quais o tratamento deva ser evitado.

Ida Rolf: Sim, existem os casos de risco. São as pessoas com suspeita de câncer, que nós evitamos tratar pelo temor de complicações legais. Não creio, de qualquer forma, que se sentiriam melhores; a menos que exista um rolfista corajoso, disposto a trabalhar o corpo deles. Devemos também tomar em consideração os aspectos ligados à cultura ocidental moderna. E se o paciente sofresse de uma grave lordose ou de uma forma de artrite? Baseamos o nosso sucesso exatamente sobre esse tipo de problema físico!A professora de música tinha uma amiga, que já havia consultado 17 médicos sem chegar a obter um resultado satisfatório. Veio a mim e eu a ajudei. Por sua vez, me mandou uma série de amigos com seus problemas e assim por diante. Você sabe aonde isso me levou.

Somatics: Tendo concluído o curso básico, um rolfista pode considerar-se completo sobre todos os pontos de vista?

Ida Rolf: Não! Isso ele só consegue com o tempo, acumulando experiência durante ao menos cinco anos, desde que nesse meio tempo ele comece a trabalhar. Uma vez concluído o curso básico, poderá iniciar sua prática, a partir dos amigos mais próximos, para depois ampliar o círculo. Durante este período, ele acabará por se tornar um indivíduo muito útil à sociedade. No passado, preocupava-me o fato de que muitos dos jovens rolfistas pudessem terminar o curso sem uma preparação adequada. Entretanto, agora estou mais inclinada a pensar que o importante não é tanto a preparação teórico-prática, mas a difusão da teoria do Rolfing® no interior da sociedade, através do trabalho deles. Deste modo, contribuem para melhorar a sociedade, uma vez que estou firmemente convicta de que, sem essa teoria, nenhum indivíduo pode ter uma vida melhor. Desde então durmo um sono tranquilo!

Nota: Rolfing® é marca registrada do Rolf Institute. A versão original da obra Rolfing® foi publicada em 1979, nos EUA. No Brasil, Rolfing® , a Integração da Estruturas Humanas, recebeu a primeira edição em 1990, pela Martins Fontes.